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Platônico, perfeito

*Esse post DEVE ser degustado ao som dessa música: Snol Patrol – Open Your Eyes*

Eu olho pra você, sem que perceba. Reparo em cada uma das imperfeições dos seus traços tão perfeitos. Seus olhos. A barba por fazer. A tatuagem que insiste em se mostrar pela manga da camiseta puída.

Desvio o olhar porque tenho medo que ao me olhar você enxergue meus segredos. E tudo o que eu sinto. Dessa perfeição intocável que vejo.

Me arrepio por estar tão perto. Disfarço para que não veja que estou completamente sem defesas. Penso em quanto eu queria poder pegar na sua mão. Te tocar. Um abraço mais longo do que os que eu recebo na despedida.

E às vezes eu queria tanto que você me enxergasse.

Mas eu prefiro você assim. No meu mundo particular. Longe do alcance da realidade. Intocável. Assim. Perfeito.

Faces da espera

Estação Barra Funda do metrô. Sábado. Oito da noite.

Uma senhora de cabelos grisalhos, presos em um coque, espera sua filha. Olhando para o chão, ela chuta uma bituca de cigarro esquecida por algum fumante mal-educado. De braços cruzados, usa uma camisa marrom com pequenas flores beges, uma saia vinho e meia cinza, daquelas que o médico prescreve para quem tem varizes. Sua igreja não permite que usem calça comprida. O maior desgosto da sua vida é ver que sua filha em nada a segue. Vai a uma igreja, é bem verdade. Mas dessas modernas que tocam música barulhenta e tem gente de cabelos coloridos.

O moço de boné, sentado em uma dos assentos laranjas, olha para o nada. Às vezes abaixa a cabeça e parece coçar os olhos. Ele chora em silêncio, disfarçadamente. Acabara de descobrir ter sido traído pela namorada. Pensa sobre o que fazer. Está sem rumo. O que sobrou se não existem mais os planos de casamento? E as alianças para a festa de noivado já estavam guardadas em sua gaveta de roupas íntimas? E os amigos? O que dirá a eles? Ah, a vergonha de admitir ter sido traído doía mais do que saber que estaria sozinho dali em diante. Sete anos de namoro. As viagens, as brigas, as reconciliações, o primeiro beijo… Olhos vermelhos, desiludidos. Ele espera o ânimo de enfrentar a vida.

Duas meninas conversam animadamente. Ambas usam calças jeans apertadas, blusas que deixam a barriga, nada em forma, de fora. Ao lado, o menino que as acompanha sugerem que tirem algumas fotos daquele momento para colocarem mais tarde em suas páginas do Orkut. Uma das moças, a de cabelo preto ondulado, desdobra um papel onde se lê: “Chat Papo Amizade”. Eles esperam por pessoas que conheceram através de um bate-papo via telefone, daqueles em que todos falam ao mesmo tempo com todos. Sabe? Aqueles que são anunciados de madrugada na tv, mostrando modelos bonitas falando com homens musculosos e todos parecendo se divertir muito.

Uma moça de unhas pintadas de preto masca um chiclete ansiosamente. Olha para o relógio. Será que ele vem? Pega o espelho na bolsa, retoca a maquiagem. E se vier? Precisava estar bonita. Se viam tão pouco. E depois de algum tempo saindo ela ainda não sabia qual era seu status. Ficante? Namorada? Um caso? Que nome seria dado? Será que ele pensa em ficar com outras? Enquanto fazia essas perguntas para si mesma, andava de um lado para o outro, olhava para o rua em busca de respostas. E se ele não viesse? O que significaria?

O homem de camisa azul fuma seu último cigarro. Tem vontade de beber uma dose de cachaça, mas sabe que não pode. Seis meses sóbrio. Era sua vitória. Mas o cigarro, ah, esse não dava para largar. Ele espera um conhecido que lhe pagaria por um serviço feito na semana anterior. Era o dinheiro da salvação. Sem emprego fixo, as contas se amontoavam sobre a mesa. Sentia vergonha pois estava vivendo com o salário da esposa. Ele, ela e os dois filhos. Não deveria ser assim. Ele aprendera que o homem da casa deveria sustentar sua família, como dizia seu pai.

A mulher ruiva de olhos verdes, vestida com um uniforme azul, pensa na batalha que viria a seguir: chegar em casa, fazer a janta, lavar duas bacias de roupas e colocar os quatro filhos para dormir. Ela espera seu marido, que já estava atrasado. Onde ele estaria? Ainda teriam que tomar dois ônibus para chegar em casa, será que ele tinha que se atrasar sempre os dias? Em pleno sábado, ela, que trabalhara o dia todo espera por ele, que vinha do futebol com os amigos. Impaciente, rói o canto de uma das unhas.

A menina de olhos castanhos, amendoados, olha para o nada. Parece triste. Sozinha. Imóvel. Ela espera que algo mágico aconteça e sua vida mude. Ela espera que a felicidade a encontre. Ela espera, mesmo sabendo que ficar parada ali não adianta nada. Mas espera.

Só mais uma chance, era o que ela precisava. Como era difícil provar que mudara com suas repetidas recaídas. Sentia-se um fracasso por não conseguir sustentar-se o tempo todo. Tudo parecia estar certo quando de repente… escorregava e afundava em um poço de confusão e lama. Ser dramática parecia um vício, bem como querer agradar aos outros. “Será que um dia eu vou conseguir?”, pensava. Meditava. Desejava com todas as forças. Mentalizava. Tentava prever os acontecimentos e como deveria reagir a eles. Mas na hora da verdade tudo era diferente.
Nessas horas queria sumir. Quem sabe se ela se afastasse de quem amava tudo seria mais fácil? E quando poderia colocar em prática tudo o que havia planejado sobre a sua mudança de vida e comportamento? Todos os livros que lera, todas as informações que procurou e até o que ouviu no grupo de ajuda que passou a participar. E tudo o que descobrira fazendo terapia. Tudo era tão lindo na prática. Mas sentia-se humilhada quando perdia a batalha na vida real. Culpada, fraca. Não merecedora de nada.
Então sentava-se e escrevia. Horas a fio. Seus dedos cheios de calos seguravam a caneta que freneticamente cuspia letras no papel. Era assim. Sua letra refletia seu estado de espírito. Começa com aquela caligrafia cuspida, desesperada, de quem espera o fim do mundo. Aos poucos ela tomava outra forma, um pouco menos descoordenada, mais firme, mas apressada. Quando enfim conseguia acalmar-se sua letra então passava a ser aquela mesma dos cadernos caprichados da escola. Era sua terapia. E o único remédio que funcionava.

Domingo

Eu se eu não quiser mais brincar? Eu quero parar, quero descer no próximo ponto. Posso? Brincar de ser adulto não é divertido. Não mais. Não como eu imaginava que seria quando era criança. Nada do que eu sonhava aconteceu. E agora? Talvez seja tarde demais. Desperdicei dias, horas com bobagens. Com sono demais. Com dramas intermináveis. Gastei tanto tempo com os outros que nem sei mais quem sou eu. É muito tarde para descobrir.
Passo as tardes com esse vazio absoluto no peito, um aperto, uma angústia. Estou enfastiada de sentir isso. Me sinto como uma criança que acaba de sair da água, em um dia de frio, à espera de que alguém traga uma toalha. E ela não vem. A tremedeira, o abandono, o vento, o desespero. Paralisada, não sei para onde correr. De onde poderia vir a ajuda? Não há nada no horizonte, nada a minha volta.

Já não choro. Gastei todas as lágrimas com a minha autocomiseração. Queria acreditar que sou vítima do mundo. Mas sei que estou aqui por escolha própria. Mas como escolho para onde ir? Só vejo dois caminhos: o da morte solitária ou o da inércia.
A inércia me assusta. Posso ficar aqui, dormir até um dia não acordar mais. Mas e se eu acordar? E se acordar e vir que tudo podia ter sido melhor? E se eu me arrepender do que estou fazendo hoje? Já não haverá mais tempo para nada. A morte me parece melhor. Mas sou muito covarde para desejá-la a ponte de conseguí-la.

Aqui continuo. Esperando. Tentando calar as vozes na minha cabeça que insistem em dizer que amanhã pode ser melhor.

12 de maio de 2006

Fabricio observava sua esposa, Alicia. Queria ter certeza que ela havia adormecido. Seu coração batia aceleradamente. Não acreditava que ela demorasse tanto a pegar no sono. A ansiedade o consumia. Levantou-se sem barulho. Correu a passos mudos até a sala. Pegou seu celular e ligou. Respirou aliviado.

– Oi, sou eu, seu Pêzinho… Preciso te ver. Estou morrendo de saudades. Não quero saber se o seu namorado vai passar ai ou não, inventa uma desculpa. Estou indo. Recebi a notícia de que vou ser pai e quero comemorar com você, minha Bê… Beijos…

Suspirou. Havia prometido para Alicia que mudaria. Mas deliciava-se ao sentir o prazer do perigo, das mentiras deslavadas e da sua capacidade de atuar tão convicentemente. Tomou um banho pensando em Danielle, sua amante casual há 3 anos. Veterinária, balzaquiana, descasada e atualmente namorando um policial. Isso dava um tom de aventura muito maior a tudo. Pensava no que o atraía tanto. Suas ancas desproporcionais, o rosto redondo, os dentes salientes, amarelados pelo cigarro, a barriga protuberante. A pele já sem viço, o cabelo rebelde. Não entendia. Simplesmente, todas as vezes que tocava a esposa, pensava nela.

Voltou para o quarto, ternamente beijou a esposa, que acordou.

– Amor, aconteceu uma emergência, preciso resolver… você fica bem? Sabe que eu te amo né?

– Nossa, mas você vai sair a essa hora? – indagou, assustada.

– Vou. Eu preciso. E olha… já falei pra jamais desconfiar de mim… você não sabe que não importa onde eu esteja, é em você que eu penso? Que onde quer que eu esteja, é com você que quero estar? Que onde quer que eu esteja é tudo pra poder te dar uma vida de princesa? E ainda mais agora com o nosso bebezinho que virá… nem consigo acreditar… – a voz tremia, os olhos encheram-se de lágrimas.

Levantou-se e seguiu em direção à porta da rua.

Mal sabia que a doença que contrairia naquele dia seria a causa da morte do tão esperado filho.

Ficção?

24 de janeiro de 2006

Ando rápido. Cada passo, uma palavra. Corro. Pensamentos que me estrangulam. Mergulho em mim e simplesmente não sei onde fui parar. Atravesso distraída. O carro freia bruscamente. Pena, penso. Tenho medo do inferno, divago. Antes tivesse o carro acabado com essa tortura. Ainda falariam bem de mim. Lembrariam de coisas boa que fiz, se é que as fiz. Chorariam como se fossem meus amigos de verdade. Inventariam histórias. Lindas. Míticas. Mas aqui continuo. Andando. Sem sentido. Sem cor. Nem o príncipe encantado eu espero mais. Ele só entraria na minha vida, prometeria cores e me daria um mundo desbotado. Talvez borrado de vermelho. Sempre é assim. Promessas. Palavras. Gestos. E tudo não passa de um ritual de ilusionismo. Destroçada. Contradições sem respostas. Luto de uma pessoa viva. Dor intermitente. Lágrimas. Chuva. Será que um dia voltarei a ser eu?

03 de janeiro de 2006

Rain
Tears
Drain
Fears

Dry

Phony
Happiness
Lonely
Sadness
poor
Blood
Pour
Flood
Sour
rhyme
Mistake
Shame
I take
The blame
cry
Could
die

02 de janeiro de 2006

Entrou em casa, jogou as chaves na mesa. Era um dia como outro qualquer, casa cheia: irmãos, pai, mãe, cachorro. Olhos vermelhos de angústia. Entrou no quarto sem conseguir conter os soluços. Imaginou que tomar um banho fosse bom, deixar a tristeza ir pelo ralo, mas ao contrário, a sensação da água acariciando seu corpo a fazia pensar que talvez fosse aquele o único afago que receberia naquele dia. O mundo parecia cair em formas de estacas sobre sua cabeça. Um arrepio percorreu seus braços, subindo até o pescoço. Andou pela casa, ainda chorando. Abriu a porta. Encarou a calçada. As ruas lotadas, ela chorava. Dor. Ninguém percebia.

Hit The Floor

13 de dezembro de 2005

Se o ódio fosse veneno, a essa hora, estaria morta. Odeio com todas as letras maiúsculas. Ódio como ressaca do mar, que leva o que estiver pela frente. Ódio cinza. Vermelho. Sangue. Azul-raivoso. Verde-morte. Preto-vingança.

Pudera eu expressar meu ódio. Despejar em você todo o colorido negro da minha alma. Vomitaria palavras. Enauseante é a sua falsidade. As suas mentiras.

Cansei. Das suas futilidades. Ainda que usasse a força física para tirar-lhe a vida, ainda assim não sentiria que a vingança foi feita. Não quero que termine. Não o seu sofrimento. Quero dias roxos para você. Dias de amargor. Dor. Noites eternas de arrependimento.

Chega. Não perderei mais tempo, precioso tempo, pensando em você.

31 de outubro de 2005

Aqui estou eu. O mundo aos meus pés e a cidade ao alcance dos meus olhos. Contemplo minhas vitórias. Mas sinto uma coisa estranha. Uma dor esquisita. De saudade de algo que eu nem sei o que é. Dor de bala Soft encalhada no peito. De soco de irmão no meio da farra. Queria saber o que tenho. Eu e meu mundo desentendido. Sozinha mesmo quando cercada de gente. Sabe, fiquei aqui pensando. Contabilizando minha vida. E acho que queria mesmo era saber se sou capaz de gostar de alguém por mais que alguns meses. Talvez dias. Contados. Nos dedos? Das mãos, claro.

Já desisti de dizer ‘eu te amo’. Soam como ‘saúde’ ao vir alguém espirrar. Apelidos então passei a repetí-los. Escassez de imaginação? Excesso de apelidados? Não sei ao certo. Aonde foram parar aqueles sonhos da adolescência? De encontrar o príncipe encantado? Já nem me emociono mais quando passo na rua das lojas das noivas. Nem imagino um casamento na beira da praia, ou meus pais emocionados acenando com o lenço branco. Será que esgotei meu estoque de ilusões?

Não lembro nem o que é querer ter um grande amor. Ah, grande amor… Acho que esse aí deve ter se perdido pelos cantos escuros da minha fértil imaginação e por lá ficou, nunca mais quis voltar. Sei lá, arranjou um lugar para pendurar sua rede, na beira de alguma praia paradisíaca com a qual já sonhei um dia.

Tenho vários grandes amores. Diria descartáveis se não fosse apedrejada. Fogo de palha, diria minha avó. Amores breves. Melhor assim. O problema é que nem sempre eles entendem que o amor acaba do dia para a noite, às vezes. No caso, sempre. Então vejo corações quebrados aqui e ali.

O amor, o amor. Sei lá que raios é isso. Amor é tão genérico. Dizem que se ama cada pessoa de um jeito diferente. A gente com essa mania de achar que tudo é amor. A primeira paixão platônica, o primeiro namorado… Até a paçoca, imginem, virou amor…

A Bíblia fala que amor não acaba. Então acho que nunca amei. Assim… Amei pai, mãe, tio, cachorro. Um papagaio também uma vez. Até fiquei bem triste quando ele morreu. Mas amor de ter certeza de que vai durar pra sempre – e a certeza estar certa, isso eu não tive não. Quer dizer, tive a certeza. Mas ela sempre esteve errada.

Não, não estou triste ou lamentando. Ainda acho que no fundo eu acredito que talvez um dia alguém mude tudo isso. Talvez apenas para imaginar que tudo pode ficar mais interessante. Diferente do que é agora. O desconhecido sempre nos atrai. E eu. Continuo o meu monólogo sobre coisas que nem sei ao certo. Só estou aos pés da metrópole, me desaguando em contradições.